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quarta-feira, 25 de março de 2015

Panelaços e Freud.

7 comentários:


Sem dúvida o leitor desse inconstante blog já deve ter notado (ou até participado) do panelaço à brasileira, confundindo com seu primo argentino dos anos 90, porém a título de salvaguardar a realidade histórica e até psicológica desse inusitado uso de materiais de cozinha, sinto que devemos separar o joio do trigo e desmascarar a verdadeira face do panelaço à brasileira...

Primeiro, um recorte histórico: A ideia do panelaço surgiu no final da década de 90 na Argentina, frente a crise econômica do governo Menem, quando milhares de Argentinos, munidos de panelas foram às praças fazendo barulho para pedir a dispensa do ministro da fazenda, Domingos Cavallo. Manifestação legítima de um povo que enfrentava grave crise econômica e tinha no barulho das panelas (vazias) uma forma de chamar a atenção para seu descontentamento, unidos e marchando em direção à casa rosada.

Muito diferente do panelaço à brasileira, de suas intenções claras e obscuras.

O panelaço à brasileira é individual e tem uma forte conotação freudiana, pois é simbólico por conta de seu momento e de suas intenções (ainda que inconscientes).



Veja, o panelaço à brasileira ocorre justamente quando uma autoridade vem a público falar, dar explicações, enfim, tentar se fazer ouvir, comunicar. É nesse momento que o paneleiro pega sua panela e bate o mais alto possível. Ele não ouve e não quer deixar o outro ouvir. Assim que a autoridade se cala, ele, vitorioso, abaixa sua panela (esvaziada). É simbólico. Essa gente que faz esse tipo de panelaço não luta contra a crise ou contra a corrupção, luta contra um partido e um governo. Ele espera (na verdade torce) para que as explicações das autoridades não sejam suficientes (mas teme que o sejam). Não querem soluções. Querem esse partido fora do governo. São com oaquelas crianças que quando não estão contentes com as verdades, botam as mãos nos ouvidos e gritam "não tô ouvino! não tô ouvino!". Arrisco dizer que se esse partido voltasse a ter o sucesso de antes, ainda que essas pessoas melhorassem ainda mais de vida, haveria um profundo desapontamento. Tudo isso é resultado do ódio de classes, do preconceito e da manipulação midiática diuturna que gera o ódio e nubla o pensamento.


Fosse o descontentamento com as políticas públicas, como o nível de vida ou, vá lá, com a corrupção, essas pessoas seriam as primeiras a parar tudo para ouvir as explicações, para tentar achar uma luz no fim do túnel, ou até mesmo para criticar embasadamente o discurso governamental. Não, nada disso interessa. O objetivo é NÃO ouvir e, principalmente, NÃO deixar os outros ouvirem.



E aí vai uma segunda característica, tão simbólica quanto a primeira, que é a de não deixar o OUTRO ouvir (por isso se bate a panela de dentro de seu apartamento, ou leva a panela para a janela). Fosse apenas a idiotia de não querer ouvir, seria simples, bastaria desligar a TV ou o rádio, colocar um nariz de palhaço e tira uma selfie com a TV desligada (que resolveria outra caraterística dessa gente, de necessitar aparecer e ter seus 15 minutos de fama midiática)... Mas isso não é suficiente para essas pessoas. Elas, dentro de seu imenso egoísmo e falta de senso de comunidade e espaço, impõe a sua ideia sobre os outros, quer queiram quer não queiram. É o liberalismo à brasileira, em que a liberdade do indivíduo DEVE suplantar a liberdade do outro.

O outro é obrigado a ouvir o estridente som das panelas de teflon batendo, ainda que queira ouvir o governo para entender (não sentir) o que está acontecendo. Tenha algum parente doente no apartamento de baixo, esteja cansado querendo dormir. Nada disso importa. O importante é não deixar o outro ouvir, aparecer no youtube e manter a SUA vontade política, de maneira mais alta possível.

Como se vê, algo muito, muito distante das manifestações dos anos 90 na Argentina, em que havia uma sensação de grupo contra uma crise econômica, em que as pessoas marchavam juntos e ouviam e percebiam o seu sistema político.

Acolá o barulho das panelas era para chamar atenção, aqui é para nublar o pensamento e a consciência.